Cowboys (Ou A Diáspora de um Gênero)

“A Diáspora de um Gênero” é a melhor forma para tentar entender o que temos na nossa frente aqui. Como se a realidade não fosse condizente com o que está querendo ser dito e o que está sendo sentido. Cowboys acima de tudo é uma fábula sobre não se sentir bem onde se foi inserido: seja no cinema, seja na vida.

Quando começamos a acompanhar a jornada dos errantes protagonistas logo de cara nos deparamos com a confusão. Mas essa confusão é totalmente nossa, nós que criamos percepções diante daquilo que vemos, esquecemos que a existência não se resume a um conceito totalmente individualista, por mais niilista que seja viver em sociedade.

O filme é urbano, mas todos os conceitos narrativos são de uma época do cinema que (mesmo depois de morta e enterrada) ainda parece permear todo o imaginário de um sistema. Da mesma forma que as noções de realidades a todo momento fazem questão de destoar do que se quer homenagear e acabamos diante de uma estética que por forçar a barra acaba sendo convincente e entrega tudo que está disposta a entregar.

Forçar aqui não é um ponto que soa pejorativo. Além de ser várias coisas querendo existir, elas estão cientes que para que essa existência aconteça precisam ir mais à frente dos limites estabelecidos.

É um faroeste porque abraça todas as suas irregularidades e se aproveita delas para que a narrativa seja ainda mais potencializada; ao mesmo tempo que se utiliza sabiamente de questões de gênero para que possamos refletir sobre o papel das nossas percepções e nossas vivências na vida do outro, e como tudo isso é agressivo quando não procuramos entender o novo – que na verdade não tem nada de novo, sempre existiu, mas foi apagado por nossas redomas de privilégios.

A cena de Joe protegendo o pai daqueles que dizem querer protegê-lo é de longe uma das coisas mais fortes que o cinema independente americano fez nos últimos anos. Sempre tivemos a convicção que o pai precisa morrer para que o filho, enfim, se torne homem. Mas é como se além de negar o corpo que lhe foi dado na existência ele também estivesse negando os dogmas tradicionalistas da sociedade para que uma aceitação existisse.

São poucos westerns modernos que conseguem ser tão fortes e bons como Cowboys. Se Bazin dizia que esse é o gênero americano por excelência, deve ser incluído também um parêntese para relatar que o gênero também é o mais versátil e inventivo da sétima arte.

Texto originalmente publicado no portal SiriNerd

Z – A Cidade Perdida, de James Gray

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Para começar a falar de James Gray e especificamente de Z, seu ultimo filme, preciso confessar que como cinéfilo sempre tento ver western em tudo e estou em busca da narrativa perfeita.

Dadas as devidas proporções do problema, vamos por partes.

Z como um Pós-Western

Desde o começo de sua carreira, Gray decidiu se aventurar pelos policiais, gênero que é delicioso para uns e decadente para outros. Policiais acabam sendo os western modernos que só as armas e os desejos de liberdade permanecem enquanto que todo o resto da estética toda se transmuta. O cinema policial de Gray evoca, acima de tudo, a busca da redenção pessoal tentando sair vivo das consequências dos erros do passado. Não chegaria a ser muito bruto trocar os carros por cavalos nem o urbano pelo rural, já que nesses dois tipos de cinema a lei é algo que não existe como deveria existir.

Logo após os filmes para esse gênero, Gray se aventurou nos dramas e com isso acabou compreendendo que o cinema é um sistema de transição, desapego. Pulando Amantes (compreendendo que se trata de um dos seus melhores filmes) vemos que ele resolveu se aventurar pelo classicismo dos filmes de época, mais especificamente aqueles que acompanham a transição para a época que conhecemos como moderna.

O que Era uma Vez em Nova York e Z têm em comum é que ambos são de uma época após o que o cinema retrata em western. Os carros estão surgindo, os cavalos aos poucos desaparecem.

Gray parece ter sentido que fazer western policiais já não o satisfaria mais porque ele queria ir além. Ele queria saber o que vinha depois, criar em cima do que realmente aconteceu, ser capaz de ser artificializar sem perder a vida.

Mas o lirismo de western é mantido, porque Gray compreende que o lirismo narrativo do gênero é algo que nunca deve-se realmente desapegar.

Z como narrativa perfeita

Tempos atrás sempre vi Zodíaco de David Fincher como o filme que consegue ter a melhor narrativa moderna do cinema. Muito dessa perfeição que vejo é muito além da forma de retratação da época que a direção de arte conseguiu fazer. Vem muito de conseguir transpor com naturalidade a realidade da época. Em Zodíaco temos os anos 70 trabalhados principalmente nos estereótipos que temos da época sem em nenhum momento soar desrespeitoso. O que Gray consegue é exatamente o que Fincher conseguiu fazer na sua obra-prima, mas conseguindo ir além e transformar os personagens no que eles realmente significam na época. Sem que em algum momento isso soe destoante com a época que os que assistem estão vivendo.

Os personagens em nenhum momento soam preconceituosos com questões que hoje estamos esclarecidos e sabemos que naquele momento do tempo não. Os personagens são produtos daquilo que está sendo retratado da época, e em nenhum momento nos deixa se distanciar do filme e daquela história que está sendo contado.

Mas sem esquecer que esse faz parte daqueles tipos de filmes no futuro vamos nos questionar se no atual seria produzido. Werzog tem seu Fritzcarraldo. David Lean tem seu A Filha de Ryan. E agora James Gray tem o seu com Z. São filmes que ultrapassam a linha do épico e partem para algo bem além disso, beirando entre o amor prazeroso e a obsessão destrutiva.

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James Gray sem sombra de dúvidas é o herdeiro direto do cinema clássico americano. Ele precisa se aventurar pelo cinema independente para conseguir o primordial para todo artista que é finalizar, mas sua herança está começando a gritar dentro de seu peito e seus filmes na medida que estão sendo lançados estão deixando isso mais claro.

Quadrilha Maldita, de André De Toth

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Logo nos minutos iniciais de Quadrilha Maldita (Day of the Outlaw, 1959)e perguntava porque André De Toth havia escolhido fazer o filme em preto e branco. Não que eu esteja afirmando que isso tenha sido uma escolha dele, pode ser que o estúdio e/ou o financiamento tenha determinado isso, mas gosto de ter a fantasia mental que os diretores são totalmente donos de seus filmes. Esse pensamento talvez tenha vindo por ter tido recentemente uma experiência cinematográfica de um filme seu usando a tecnologia 3D (House of Wax, 1953) que ainda engatinhava da década de 50. Toda sua noção de cores e das profundidades que ela podiam proporcionar me fizeram ficar admirado com seu domínio cinematográfico.

Todo esse questionamento foi em terra logo em seus primeiros 20 minutos quando acontece a primeira reviravolta da trama e acabei entendendo que o preto e branco era para alimentar toda a claustrofobia que a narrativa carrega. Naquele cidade perdida no meio de toda aquela neve não existem cores. Seja de seus moradores como todos daqueles que vão parar naquele fim de mundo. Quando William A. Wellman fez Dominados Pelo Terror (Track of the Cat, 1954) ele disse que queria fazer um filme preto e branco em cores. Mesmo com a ambientação parecida dos dois filmes (western de neve) o que Toth faz aqui é criar um filme onde as cores não precisam existir, na verdade não têm espaço para aparecer. Elas não são bem vindas. Toda a atmosfera sombria da história é enfatizada ao extremo pela fotografa que transforma aquela áurea pessimista que rodeia todos os personagens em uma perspectiva que se aproxima muito do NO FUTURE NO HOPE que os punks iriam levantar na sociedade setentista pós era hippie e pré década perdida da geração X.

Mas é no seu fim, quando o filme abandona todos aqueles que não interessam para focar nos personagens que se impõem a trama, é quando vemos que as personas que existem no universo western carregam dentro de si uma noção de fatalismo que só veríamos ser tão incorporada nos filmes policiais. Os Cowboy e os fora-da-lei esperam uma saída mesmo diante de um futuro inexistente.

O fim para os mais céticos pode acabar sendo um tanto indigesto, mas basta lembrar que estamos falando do western, onde as lendas devem ser publicadas e as verdadeiras histórias acabam sendo esquecidas.

Conclusões de 2016

Gosto de listas. Queria começar com essa afirmação porque muitas vezes falamos que listas não são legais, mas no fundo sentimos e sabemos que estamos mentindo. Escolher por mais doloroso que seja é muito divertido. É uma sensação de arriscar e dar a cara a tapa de uma forma tão intensa que chega a parecer o mesmo sentimento de adrenalina. Fazer listas todos os finais de ano acaba sendo um ritual necessário (pelo menos para mim) por alimentar essa inconsequência de se arriscar sem perder nada com isso. Sempre que faço essa lista acabo finalizando com uma menção honrosa que acaba sendo entregue para a sessão que mais me marcou naquele determinado ano. Esse ano, por mais que tenha tido várias sessões marcantes, não tive nenhuma como tive ano passado com Fantasia e Mad Max no São Luiz, nem no ano que o antecede que entreguei todas as minhas honras para Rocky Horror Picture Show – por incrível que pareça também no São Luiz. A sessão desse ano foi no meu quarto, na madrugada da véspera do ano novo. Sem nenhum luxo, com nenhuma cerimônia. E com a lista do ano já finalizada. Pode não ser o melhor filme do ano, mas todas as suas qualidades o colocam ele facilmente figurando entre por entre os que são melhores que ele. Hell or High Water é um western, se analisado detalhadamente pode ser até adentrar naquilo que Bazin chamou de gênero americano por excelência. Não duvido, mas é com ele que, enfim, entrego minha lista dos melhores filmes que povoaram esse turbulento e decisivo ano:

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  1. O Ornitólogo, de João Pedro Rodrigues
  2. O Tesouro, de Corneliu Porumboiu
  3. Toni Erdman, de Maren Ade
  4. Academia das Musas, de José Luis Guerín
  5. Hell or High Water, de David Mackenzie
  6. A Cidade Onde Envelheço, de Marília Rocha
  7. A Vizinhança do Tigre, de Affonso Uchoa / Ela Volta na Quinta, de André Novais Oliveira
  8. Carol, de Todd Haynes
  9. O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu, de João Botelho
  10. A Bruxa, de Robert Eggers / Bone Tomahawk, de S. Craig Zahler

Bone Tomahawk, de S. Craig Zahler

vlcsnap-2016-11-28-00h45m07s85A criação da mitologia do oeste americano deve-se exclusivamente para a força que o gênero Faroeste conseguiu alcançar durante toda sua maciça existência. Presente desde os primórdios do cinema, a excelência de narrativa e público que o gênero manteve durante tanto tempo segue até hoje inexplicável para aqueles que tentam compreender o cinema em sua totalidade. Quando surgem filmes de excelência distantes do período de sua febre é notável que a morte do gênero não foi uma mera questão de desgaste.

Com o aparecimento de Bone Tomahawk foram levantadas questões de se ele significava o ressurgimento do gênero nessa era moderna do cinema. Mas se fomos levar em questão que desde a morte significativa do gênero em Hollywood (com o excelente Os Imperdoáveis), o faroeste foi visitado nas suas diversas vertentes, mesmo que em quantidades pouco significativas. O Ozploitation pode ser visto como um gênero que surgiu ainda que no fim do faroeste revisionista com obras como Mad Max e que se manteve durante décadas seguintes sempre entregando obras notáveis.

Como ocorreu com Dead Man (onde Jarmusch se aproveitou do gênero para criar um subgênero ao seu deleite), o que vemos em Bone Tomahawk é o gênero sendo corrompido de seu formato clássico para se aventurar em linhas não muito convencionais de se misturar com ele. O faroeste cede o espaço para o terror psicológico, abraça o gore e não teme de negar a trilha sonora, se utilizando apenas de sons ambientes.

Toda a aventura que Zahler leva o telespectador usando o Faroeste como pontapé inicial é prazerosa quando ele não se encabula de se utilizar (e as vezes até avacalhar) dos arquétipos do gênero. Temos a cidadezinha onde todas as pessoas relevantes são conhecidas (e não demora muito para que quem tá assistindo também conheça); temos o lugar em comum onde as tramas principais ocorrem e se desenvolvem (o bar e mais tarde a delegacia); temos o xerife linha dura, o bêbado falastrão, o veterano de guerra, o cowboy clássico, o médico, o forasteiro que carrega a causa e efeito para que a trama se torne real. Está tudo ali, pronto para que nos permitamos adentrar mesmo sem saber o que realmente vamos encontrar.

É ai que surge o horror, quando percebemos que algo foge do habitual a se presenciado nesse tipo de gênero. Os nativos canibais além de carregar toda a mitologia que estamos sedentos para descobrir, levam em sua onipresença toda a tensão que a qualquer momento parece que vai explodir na tela. Até que explode e o extracampo se desenvolve dentro do campo, e nos deparamos com algo novo, incrível e envolvente.

Bone Tomahawk pode não ser um western por excelência, suas falhas são tão transparentes quanto suas qualidades. Mas ele acaba sendo um western por excelência por não ser perfeito. Não podemos nos esquecer que os grandes westerns feitos foram num sistema que hoje chamamos de cinema B.

E os defeitos desse tipo de cinema é o que o torna tão atraente.